A primeira psicóloga a chegar a Bucha. Após o trauma, habitantes fazem tudo para se reerguer

 


Quando Nataliia Zaretska chegou à cidade, Bucha tinha acabado de se libertar da ocupação russa e cerca de 3700 pessoas precisavam de ajuda especializada urgente. A TSF falou com a psicóloga sobre o processo de recuperação.

A psicóloga militar que se mantém na cidade, nos arredores de Kiev, fala nos cidadãos com orgulho, diz que eles são lutadores que fizeram tudo o que era possível para sobreviverem e agora tudo fazem para se reconstruírem. Nataliia Zaretska diz que quando chegou a Bucha, em abril, as pessoas estavam numa situação horrível. "Tinham de desempenhar tarefas muito duras e sensíveis. Tinham, por exemplo, de encontrar os corpos de quem foi assassinado e identificá-los ou escavar o local onde um irmão estava enterrado. Os que foram mortos eram vizinhos, eram familiares, e por isso foi muito traumatizante, mas também muito importante para eles," explicou à TSF.

A psicóloga de 47 anos diz que enfrentar a realidade é essencial no processo de cura e quem ficou em Bucha foi obrigado a isso mesmo. "Foi duro, mas ajudou-os a passar o processo de descompressão porque o que é importante neste procedimento é ter a possibilidade de o fazer passo a passo. Pela minha experiência, os casos mais graves são aqueles em que, depois de terem vivido uma ocupação muito dura, as pessoas são levadas para a segurança de outro país. Vai ser muito difícil adaptarem-se à nova realidade e afastarem-se da experiência que viveram. Aqui em Bucha as pessoas tiveram de realizar os trabalhos difíceis, mas isso deu-lhes a possibilidade de aceitarem a realidade e converterem o trauma em recursos internos."

O processo de descompressão, de que fala Zaretska, prevê um regresso a um estado mais relaxado depois de um período de stress intenso e pressão psicológica. Falar do que viveram foi muito importante para a maioria das pessoas, mas os cidadãos de Bucha tinham também perguntas que queriam ver respondidas.

A técnica explica que os habitantes "precisavam de perguntar e de ter respostas. Uma das perguntas essenciais era a de como é que os humanos podem fazer algo tão desumano. Referiam-se aos soldados russos. Estavam chocados pela forma como uma pessoa podia agir de forma tão desumana como eles tinham assistido em Bucha".

Durante estes meses tem tentado encontrar respostas para as interrogações dos habitantes de Bucha, mas não tem sido fácil. "Não tenho dúvidas de que usam as detenções e a ocupação como instrumentos para espalhar o medo. Na cabeça deles, matar, deter, torturar é muito útil para se protegerem e controlarem."

Nataliia Zaretska esclarece que os ucranianos sempre se viram como um povo irmão dos russos. Com a ocupação, perceberam que afinal não têm os mesmos princípios, o mesmo sistema de valores ou o entendimento do que é importante na vida e isso surpreendeu-os.

A psicóloga diz notar uma grande melhoria nas pessoas, mas não esconde que têm ainda medo que os russos possam regressar. Esse é um dos grandes desafios dos técnicos, fazer com que as pessoas se sintam protegidas num momento em que não existem lugares seguros na Ucrânia.

Outro desafio é fazer com que as pessoas se sintam bem nas próprias casas onde passaram momentos tão difíceis. Nataliia Zaretska diz que tenta mostrar-lhes os mecanismos internos que usaram para sobreviver e isso dá-lhes mais confiança e permite-lhes olharem para a casa como o local onde foram mais fortes que os russos.

A psicóloga que foi para Bucha cuidar dos vivos diz que o apoio psicológico vai prolongar-se, pelo menos, durante mais dois anos.

Bucha esteve, durante um mês, ocupada pelos militares russos e, só quando saíram, o mundo foi confrontado com o que tinha acontecido. A cidade, na região de Kiev, foi o cenário de alguns dos piores crimes que marcam a invasão da Ucrânia. Execuções sumárias, torturas, violações e massacres foram alguns dos crimes que estão agora a ser investigados pela comunidade internacional.

TSF Rádio Noticias

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